CLÍNICA DE MEDICINA NATURAL
Abordagem - Uma Pérola do Conhecimento
 

COMO ALGUNS NÃO QUEREM VER ... UM ATALHO PARA A IGNORANCIA.
PARECER DA ORDEM DOS MÉDICOS SOBRE OS PROJECTOS DE DIPLOMAS REGULADORES DO EXERCÍCIO DAS MEDICINAS NÃO CONVENCIONAIS APRESENTADO À COMISSÃO PARLAMENTAR DE SAÚDE

Pretende a Comissão Parlamentar de Saúde conhecer a posição da Ordem dos Médicos frente aos dois projectos de lei reguladores das medicinas não Convencionais. Na exposição dos nossos argumentos seguimos esta ordem:

1. Considerações gerais onde se coloca o problema, se refutam conceitos e afirmações, se debatem aspectos científicos e se aprecia o posicionamento de organizações internacionais.

2. Principais objecções aos projectos.

I - Considerações gerais
A defesa da saúde dos cidadãos é uma obrigação dos Estados de direito e das sociedades democráticas modernas. Essa obrigação consubstancia-se na exigência de rigor na qualidade dos serviços saúde prestados á comunidade, bem como na vigilância e protecção desses mesmos cidadãos frente a práticas não cientificas e Iesivas, por acção ou omissão, da sua integridade e do seu direito a uma saúde de qualidade. Para tal essas sociedades consideram ser necessário exigir aos profissionais da arte de curar, ou seja aos médicos, longos anos de formação cientifica e treino técnico eprofissional, bem como um comportamento ético irrepreensível.

Assim, encarregam as universidades dessa formação, exigindo que nela condensassem e integrassem todas as ciências básicas e es-pecificas necessárias ao conhecimento do funcionamento normal do corpo e da mente humanas, das suas alterações e doenças, de todos os processos e métodos de as diagnosticar correctamente e de todos os métodos terapêuticos mas eficazes e adequados à cura dessas doenças. A partir deste corpo de saberes, as Faculdades de Medicina formam e graduam licenciados, assim garantindo que os cidadãos podem confiar na sua preparação cientifica.

Aos hospitais e ao seu corpo de médicos seniores, cabe por sua vez o treino técnico e profissional dos jovens médicos. Após um período de 2 anos de exercício de medicina tutelada no Internato Geral, transitam para o Internato da Especialidade onde durante 4ou mais anos aperfeiçoam e especializam os seus conhecimentos.

Por sua vez, a Ordem dos Médicos, associação profissional a que obrigatoriamente pertencem, vela para que a sua formação seja a mais adequada, tanto mais que será a responsável pela avaliação final do seu treino, atribuindo-lhe ou não o titulo de especialista, conforme o resultado dessa avaliação. Depois, no uso das funçõesque lhe foram atribuídas pelo estado, assegura e regula o seu comportamento profissional, ético e deontológico.Todo esse rigor cientifico e este esforço são obrigatórios para que alguém possa ser considerado responsável pela saúde dos cidadãos que a ele se confiam.

Tudo isto é necessário para que alguém possa ser considerado suficientemente capaz para fazer diagnósticos e prognósticos ou para executar ou prescrever terapêuticas que contribuam para o bem estar físico e mental do indivíduo doente.Tudo isto lhe exige a sociedade e o Estado que se obriga a defender o cidadão doente, que no desconhecimento da ciência medica é levado a acreditar em diagnósticos fantasiosos, promessas de curas fáceis ou até miraculosas, e aceita seguir pseudo-tratamentos que, mesmo quando são inócuos, impedem ou atrasam o tratamento mais adequado para as suas queixas.

Por isso não se entende que, agora, se pretenda que a quem não passe pelo crivo das Escolas Médicas e portanto sem preparação cientifica adequada, seja considerado apto a fazer diagnósticos de forma autónoma, mesmo que seja para aplicar terapêuticas discutíveis!!!

Quando em 1959 Charles Snow no livro de ensaios intitulado "Duas Culturas", questionou a cultura dita humanistica por estar completamente afastada da cultura cientifica, jamais suspeitaria que nos 20 anos do século se assistisse ao recrudescer de falsas ciências medicas, ditas alternativas, às quais e apesar da epistomologia eensinamentos de Popper, Kuhn e Bachelard, a iliteracia cientifica permitiu dar foros de cidadania.

Quando as pessoas, mesmo que possuidoras de um grau universitário, não têm a mínima ideia do que são moléculas, células, bactérias, genes, DNA, oncogenes, metabolismo e, acima de tudo não entendem nem querem entender o que é o pensamento e método cientifico, a investigação e o modo como ela é aplicada, etc., facilmente preferem acreditar em energias desconhecidas da Física e dos físicos, nos cristais que curam, nos aromas que afastam a doença, nas barbatanas de tubarãoque curam o cancro, no pó de pénis de tigre para a cura da impotência, na memória da água das mezinhas homeopáticas, na cura pela imposição das mãos, nos diagnósticos feitos à base de filosofias orientais ou quejandas, etc., etc.

Tudo isto é mais mágico, mais neo-romântico, mais "New Age", mais postmoderno, mais X-File, tão "natural" e mais agradável do que qualquer chata e comprovada certeza cientifica da Medicina.Mas tudo isto é falso, e integra-se num movimento mais geral de ataque à ciência.

Também não é verdade que a Organização Mundial da Saúde tenha produzido vários estudos recomendando aos países de maior relevo às Medicinas não convencionais: Na realidade a OMS recomendou que os países subdesenvolvidos utilizassem os praticantes de medicinas tradicionais (que são bastante diferentes das chamadas medicinas alternativas) como veiculo de promoção de algumas regras de higiene e que à falta de melhor continuassem a ser aplicadas algumas terapêuticas de base herbal que nalguns casos comprovados poderiam substituir a carência de medicamentos.

A OMS não considera que todas as Medicinas Alternativas devam ter o mesmo tratamentopelas autoridades sanitárias. Apenas através do "Tradicional Medicine Programme", apoia o esforço de investigação sobre as potencialidades da medicina tradicional.

Através das "General Guidelines of Methodologies on Research and Evaluation of Traditional Medicine", propõe linhas de orientação muito genéricas:
• Inventariar os problemas-chave para o desenvolvimento dos métodos de investigação e avaliação da medicina tradicional;
• Melhorar a qualidade da investigação sobre a medicina tradicional;
• Definir métodos de avaliação com o objectivo de facilitar a elaboração de regulamentação e o registo das medicinas tradicionais;
• É uma posição cautelosa que está muito longe das certezas absolutas dos projectos em apreciação no Parlamento Português.Quanto ao Parlamento Europeu, não só aprovou uma proposta muito diferente da apresentada pelo Eurodeputado Paul Lannoye (reconhecidamente apoiante dos interesses do laboratório de produtos homeopáticos BOIRON) como muito menos consta do texto final qualquer recomendação aos Estadosmembros no sentido do reconhecimento e harmonização das medicinas tradicionais: pelo contrário na resolução aprovada pode ler-se:
• Solicitar à Comissão que, caso os resultados do estudo o permitam lance um processo de reconhecimento das medicinas não convencionais;
• Solicitar à Comissão que realize um estudo minucioso, sobre a inocuidade, a eficácia, o âmbito de aplicação e a natureza complementar ou alternativa de cada medicina não convenci-onal;
• Solicitar à Comissão que proceda a uma clara distinção entre as medicinas não convencionais de natureza "complementar" e as chamadas medicinas "alternativas'. ou seja, que assumem o lugar da medicina convencional;
• Convidar o Conselho, depois de concluídos os estudos preliminares, a incentivar o desenvolvimento de programas de investigação no domínio das medicinas não convencionais que integrem a abordagem individual, o papel preventivo, bem como as especificidades das disciplinas médicas não conven-cionais:
• Solicitar à Comissão que, no âmbito do estudo sobre a eficácia das terapias aplicadas nas medicinas não convencionais, zele porque nenhuma destas medicinas, tal como são aplicadas nos Estados membros, utilize como medicamento órgãos de espéciesanimais ameaçadas tornando-se por conseguinte objecto de comércio ilegal.

Não ignoramos o efeito placebo destas pseudoterapêuticas! É esse efeito que explica as melhoras que os doentes de doenças crónicas psicossomáticas referem. Na realidade e ao contrário da afirmação constante no projecto do PS de que existem "mais de meio milhão de estudos com resultado positivos em medicina nutricional, terapias não convencionais e remédios" os estudos referentes por exemplo à eficácia dos produtoshomeopáticcos são poucos e contraditórios.

Um artigo muito citado publicado em 1998 na "Lancet", no qual se pretendia comprovar a eficácia da homeopatia não só não consegue cabalmente diferenciar os efeitos pretendidos do efeito placebo como se sabeter sido publicado nesta revista inglesa graças ao esforço monetário do Príncipe Carlos, patrono desta modalidade. Nem poderia ser de outro modo: os medicamentos homeopáticos são (segundo os homeopatas) tão mais eficazes quanto mais se dilui o produto original. Ora em Química está comprovado a existência de um limite de diluições a partir do qual o produto inicial desaparece. Esse limite e dado pelo Número de Avogrado. Este número cor-responde ao número de átomos existente em qualquer molécula grama de uma substância, o qual é finito e constante, átomos esses que desaparecem da diluição se esta ultrapassa esse número.

Como explicar então que os produtos homeopáticos acima de D24 ou C12 possam ser eficazes? Só com muita imaginação esotérica!!.Calcule-se, por exemplo, que confrontados com este facto cientifico irrefutável inventaram que as moléculas de água ficavam com a memória das substâncias que por ela teriam passado!!!. Convenhamos que nem Fox Mulder se lembrava desta!!!.Em suma, os laboratórios de produtos homeopáticos vendem água a peso de oiro pois os produtos homeopáticos nada mais contêm, na quase totalidade dos casos que o solvente que é água ou uma solução alcoólica. Dai estarem florescentes. Dai não entendermos, por exemplo, que o projecto do BE, pretenda que estes pseudo-medicamentos possam vir a ser comparticipados pelo SNS. Gostaria de saber o que pensarão os portugueses quando lhes for explicado que não há dinheiro para alguns medicamentos essenciais mas há dinheiro para engordar os tais "laboratórios" que vendem água com rótulos homeopáticos.

A este propósito vale a pena recordar a ironia que, já no século XIX, um grande médico português, o Professor Sousa Martins, dispensava à homeopatia quando recomendava aos homeopatas que alimentassem os seus doentes com caldo de frango homeopáti-co".- "Encha-se um tacho grande com água. faça-se incidir sobre a água a sombra de um frango durante 10 minutos. De seguida agite-se bem. Dilua-se uma colher dessa água mil vezes: Dessa diluiçãoTorne-se a diluir outra colher outra colher mil vezes. Repita-se mais oito vezes.

De seguida alimente-se o doente com o caldo final resultante com a recomendação de não abusar..."Tal como não podemos aceitar métodos ou terapêuticas sem bases cientificas ou que se revelam ineficazes quando passam pelo crivo do método cientifico, como é o caso da homeopatia ou da aromaterapia, muito menos aceitamos práticas que são pura fraudecomo é o caso da iridologia, da auriculoterapia, diagnóstico pela observação da orelha, florais de Bach, etc. etc... Mesmo quando praticadas por médicos que neste caso incorrem em falta deontológica passível de procedimento disciplinar.

Muito menos se aceita qualquer acto dito alternativo que possa ser lesivo para os doentes. Estas praticas não podem e não devem ser aceites por uma sociedade que se quer moderna e progressiva. No entanto, é nossa opinião que algumas práticas devem ser regulamentadas. A ciência médica aceita como boas algumas terapêuticas que são praticadas por não médicos, como é o caso da acupunctura ou das técnicas de manipulação que osteopatas e quiropatas executam.

Aceita-as porque foram, por métodos científicos, comprovada como eficazes no tratamento da dor ou de doenças ou sintomas específicos músculo-esqueléticos. Muitos médicos as executam ou prescrevem: Não aceita, porém, que esses métodos sejam aplicados sem um diagnóstico prévio correctamente efectuado por quem tem competência para o fazer, isto é, os médicos. Muito menos aceita e que essas terapêuticas sejam usadas como panaceia universal e aplicadas indiscriminadamente a todas as doenças ou sintomas.

Daqui decorre que a Ordem dos Médicos admita que a profissão de acupunctor, osteopata ou quiropata possa ser ensinada, praticada e regulada como profissão complementar ou auxiliar da Medicina, isto é desde que os tratamentos executados por esses profissionais sejam executados como consequência de um diagnóstico medico.

II - Principais objecções aos projectos

1. designação - Recusamos a designação de Medicinas não convencionais que ambos os projectos pretendem dar a este tipo de práticas. Além disso, apenas existe uma medicina e qualquer terapêutica dita não convencional desde que seja comprovadaa sua eficácia por métodos científicos é de imediato incorporada nos cânones médicos. Tal designação só originará confusões no espirito de cidadãos mais desprevenidos. Propomos que tais práticas devem ser designadas por Terapêuticas Complementares.

2. Não diferenciam entre as terapêuticas alternativas com efeito já comprovado e as que são apenas fraude sem nenhum substrato cientifico ou sequer empírico.

3. Não se entende o conceito de medicina não convencional do projecto de lei 320/VIII.

4. O diagnóstico e a prescrição são do domínio exclusivo do médico pelo que não se entende ou aceita a autonomia técnica nestas práticas.

5. Incumbirá ao Governo, no desenvolvimento e de acordo com os princípios estabelecidos na presente lei, o reconhecimento e regulação apenas da Acupunctura, da Osteopatia e da Quiropatia, cabendo conjuntamente aos Ministérios da Saúde e da Educação definir, per decreto-lei o seu regime. São estas as únicas terapêuticas complementares que foram comprovadas cientificamente na aplicação em algumas patologias.

6. Estes profissionais apenas poderão exercer as suas práticas em doentes com indicação médica para tal, devendo ter a preparação suficiente para reconhecerem todas as situações nas quais as terapêuticas que utilizam não tem aplicação, são ineficazesou podem esconder situações de grande gravidade, devendo nesses casos e de imediato entregar o utente aos cuidados da medicina cientifica.

7. A Comissão Técnica deverá ser composta por:
a) três representantes do Ministério da Saúde um dos quais presidirá;
b) Dois representantes do Ministério da educação;
c) Dois médicos representantes da Ordem dos Médicos;
d) Um representante de cada uma das Terapêuticas complementares (Acupunctura, Osteopatia, Quiropraxia)
e) Os representantes de cada uma das terapêuticas complementares devem ser indivíduos de reconhecida idoneidade moral e mérito na sua área de intervenção e possuidores de cursos reconhecidos nos países da União Europeia

8. As condições de funcionamento dos locais de prestação de cuidados de saúde na área das terapêuticas complementares serão estabelecidas de acordo com o licenciamento das unidadesprivadas de saúde devidamente adaptadas.

9. Os produtos e instrumentos utilizados pelos profissionais de terapêuticas complementares devem obedecer aos requisitos de qualidade e segurança previstos na lei idênticos aos aplicáveis aos medicamentos.


10. A comercialização de produtos e instrumentos utilizados nas terapêuticas alternativas deve respeitar os requisitos armazenamento, segurança e outros previstos na legislação em vigor.

11. Aos profissionais das terapêuticas alternativas é vedada a preparação ou comercialização de produtos ou instrumentos prescritos ou utilizados nas suas práticas.

12. Aos profissionais das terapêuticas alternativas é vedada a prescrição de medicamentos.

Nota: A fitoterapia é a utilização de plantas em terapêutica. É do âmbito da medicina cientifica o seu estudo pelo que não deve ser aqui incluída e deve ser regulada por legislação adequada.





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